sábado, 4 de julho de 2009

sonho [1]

[registro do inconsciente: sonho - noite de 03 para 04 de julho/ 2009]

Estou sentada no chão, com as costas na parede e o livro apoiado sobre as pernas dobradas. Ouço um barulho lá fora, continuo lendo. Na cena, apenas o livro e minhas mãos. Sinto um corte, percebo um mínimo de sangue no dedo. Continuo lendo e as mãos vão se tingindo de sangue, cada vez mais sangue nas mãos. Mancho as páginas do livro, a camiseta branca.

Continuo lendo. Alguém entra na casa. A cena se desloca para a sala ampla, com piso de mármore cinza chumbo granulado. Lateralmente uma escada em espiral e ao centro um enorme piano preto de cauda, com a tampa fechada.

A pessoa que entra é uma mulher transtornada, que discute aos gritos com um homem. Ele tenta segurá-la na sala, mas não consegue. A mulher sai para a rua ao ouvir vozes dizendo que alguém vai casar. Ela se mata lá fora. A imagem agora é de seu corpo estendido sobre o piano, coberto por um tecido fino e branco.

Lá fora, nos fundos, existe uma espécie de curral transformado em matadouro. Pessoas são mortas ali. Vísceras, sangue e muitos pedaços de veias picotadas formam uma espessa camada no chão. Saio da casa e fico parada, contemplando a mulher morta. Agora, o corpo está sobre um túmulo de concreto. Na cabeceira, como se fosse uma lápide, um espaço oco e coberto para a queima de velas. Haviam muitas delas ali, com suas chamas brilhando, a parafina derretendo.

Chega um outro corpo, minúsculo, que caberia na palma da minha mão. É uma criança numa caixinha. Nesse esquife de papelão, há pedrinhas no fundo, o corpo na posição central. À sua esquerda, uma imagem de Nossa Senhora com seu manto azul. Também plantada entre as pedrinhas, à direita, uma réplica miniaturizada de uma flor vermelha, de plástico. Ao centro, o bebê japonês morto, branco meio arroxeado. Seus braços e cabeça estão nus. Um pano branco cobre o restante do corpinho.

Seguro o pequeno pacote na mão. Um homem me orienta a levá-lo ao fundo. É ali o crematório, que consiste numa espécie de buraco lateral com cabos e mangueiras. Não há fogo, apenas um calor intenso. Fico parada em frente ao buraco, consternada, com a caixinha na mão. Um dó imenso de depositar a criança no buraco. O homem atrás de mim diz: "coloque para queimar, é melhor assim; ele vai apodrecer de qualquer forma".

Sem alternativa, resigno-me, sei que ele tem razão. Coloco no buraco o corpinho com seu esquife. Fico em pé, me perco pensando... O homem me diz que preciso levar o corpo e colocá-lo sobre o túmulo de concreto, onde está a mulher. Volto à realidade, pego o pacote. O menino está todo derretido, deformado. Uma das pernas tinha se alongado, como se fosse uma vela derretida pelo efeito do calor. A cabeça está dilatada. Seguro aquilo entre as mãos (ainda o pacote inteiro), aperto junto ao peito. Uma sensação horrível de perda, de tristeza.

O caminho de volta me obriga a passar pelo matadouro, pelo caminho estreito e afunilado de madeira, como um curral que conduz o gado à morte. Ele está imundo, repleto de restos humanos, vísceras, milhares de pedaços de veias e tripas. Não há sangue em parte alguma. Como se tivessem sido lavados por jatos e jatos e jatos de água haviam apenas pedaços amarelados no chão. Numa viscosidade consistente, esses restos formam uma camada que atinge a altura dos meus joelhos. Atravesso aquela barreira pegajosa vagarosamente, com asco descomunal.

Concluo a travessia e deposito o esquife com o corpo do menino sobre o concreto, bem próximo à cabeceira, junto às velas. A mulher morta não está mais lá.

Um comentário:

AGNALDO NO ESPELHO disse...

Krikas,

Nossa, que denso. (Sem mais comentários).

A parte inicial do sonho me remeteu a referências literárias interessantes. Se quiser, busque-as em Nelson Rodrigues.

"Valsa n. 6" e "Vestido de Noiva". Nossa, foi impressionante. Li e me lembrei de imediato.

Bjos.