sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Vôo e silêncio


por Cristina Thomé [30/09/2008]

A janela exibia o nascer do sol refletido na lâmina d'água. O lago era o reduto dos pássaros que migravam do sul em busca do calor. Com a cabeça recostada no vidro, Clara observava mais um princípio de manhã, após uma longa madrugada insone. Não havia sono que a possuísse em noites como aquela. Clara era mulher forte, branca, de olhar profundo, cabelos negros e lisos que lhe ocupavam abundantemente os ombros e as costas.

Como sempre, nos últimos anos, vestia a camisola branca do sanatório – elegantemente chamado de "casa de repouso" pela família. Pessoas, aliás, que não via há muito tempo. Logo após sua internação as visitas foram intermitentes. Com o passar dos meses foram rareando, até tornarem-se nulas com os anos. Para Clara essa ausência fazia diferença nenhuma.

Acostumara-se desde cedo com o isolamento. Não que ela o quisesse de fato. Não havia escolha. Clara vivia absorta em suas próprias sensações, seus pensamentos. Ela não estabelecia conexões. Porém seu mundo era colorido e profundo, como seus olhos. Para se aproximar do que Clara sentia, talvez apenas submergindo no mar. Entregar o corpo à suavidade das águas, ao absoluto silêncio que entorpece os sentidos.

Viver dessa forma não lhe trazia sofrimento: era o universo de Clara, e pronto! Não haviam manipulações, não havia troca. Ela esboçou um sorriso quando os raios de sol avançaram pela janela iluminando suas mãos, seu rosto. Nesse momento, os pássaros alçaram vôo. Seus olhos os acompanharam, como se ela própria fosse um deles.


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