quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Uma bela visão















por Cristina Thomé [23/09/2008]

Mal se divisava na paisagem de outono a figura da menina. Vinha pela estrada com seus cabelos loiros de milho, balançando as mãos ao sabor da caminhada. À medida que se aproximava, era possível perceber o vestido em tom puro de amarelo. Trazia na cintura uma fita que se fechava em laçarote vistoso às costas.

Suas faces estavam rosadas, talvez efeito do frio e do esforço. Ao passar em frente à oficina me ofereceu generoso sorriso. Tentava segurar seu vestido e domar o cabelo, que dançava com o vento.

Esta certamente foi uma bela visão naquela manhã de quarta sem movimento. Com uma das mãos retirei o cigarro da boca e, em meio a uma baforada sorri para a menina. Com a outra mão retirei o chapéu e a cumprimentei.

Ela sentiu-se profundamente tocada por tamanha deferência. Ficou um tempo parada e acenou a mãozinha. Subitamente virou-me as costas e continuou seu trajeto. Observei a menininha até que o amarelo de seu vestido confundiu-se com os tons marrons das folhas daquele outono.

Meus olhos permaneceram parados no horizonte. A fumaça do cigarro subia e, em meio àquela névoa, o passado me chamou. A lembrança recuou setenta anos e pude me ver, menino, naquela mesma estrada. Andava com os pés descalços na chuva. Tinha calças curtas, puídas. Já era o terceiro ou quarto filho a usar aquelas mesmas roupas.

Acreditava piamente que o destino me reservava viagens compridas, conhecimento e vitórias em lugares que sequer poderia imaginar. De fato, a vida me levou, mas não pelos melhores caminhos. Mentalmente revisitei coisas que gostaria de haver esquecido. Mas a memória ou a recordação nem sempre são benevolentes.

Fui salvo das lembranças pelo calor do cigarro que me queimava os dedos. Apesar de tudo, sentia-me feliz por estar novamente ali, entre a graxa e os carros à espera de conserto. Sentia-me reconfortado porque meus olhos cansados tinham outra vez a velha paisagem, tão familiar.

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